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O Rosto


Capítulo 4 - O ROSTO

O magnetismo, a maleabilidade expressiva do rosto do ator foram descobertos empiricamente pelo teatro, que os utiliza segundo modalidades que têm a ver com as aptidões pessoais dos atores, com a estética à qual ele aderiu como gênero dramático, as exigências da direção etc. Molière já era famoso pela variedade e pela eficácia de suas mímicas. Mille. Poisson nos informa que ele tinha "sobrancelhas negras e grossas e [que] os vários movimentos que ele lhes dava deixavam a sua fisionomia extremamente cômica". Elogiosos ou reservados, seus contemporâneos falam de suas "caretas" e de suas "contorções". O mesmo Molière, em La Critique de L'École des femmes, diverte-se em comentar a sua própria atuação por intermédio de um personagem que, sintomaticamente, enfatiza a mímica do ator, "seus movimentos extravagantes dos olhos, seus suspiros ridículos, e suas lágrimas tolas que fazem todo mundo rir". No teatro do século XX, a expressão facial ganhou uma importância crescente. O ator representa cada vez mais com seu rosto e, tudo indica, cada vez mais sutilmente. Há várias explicações:

- As técnicas de representação evoluíram consideravelmente nos últimos 150 anos. Os progressos da iluminação, notadamente, permitiram uma percepção cada vez mais apurada, pelo público, do que se passa em cena, e da mímica dos atores. Por outro lado, o espaço teatral se transformou e se diversificou. As pressões econômicas, o desenvolvimento de um teatro de pesquisa, tudo isso levou ao aparecimento de pequenas salas onde a distância entre o ator e o espectador se viu sensivelmente diminuída. Com a área de representação reduzida ao mínimo, o ator tende a concentrar sua expressividade sobre o que, na sua profissão, não requer espaço - a voz e o rosto.
- A evolução do gosto comum e da estética da representação contribuiu igualmente para este desenvolvimento. A familiaridade com o cinema e a televisão deixou o espectador mais atento e mais exigente no que diz respeito à expressividade do rosto. O efeito de amplificação inerente à imagem denuncia o artifício, a fabricação, a canastrice. Positivamente, ele revela também as virtudes da sinceridade, da sutileza... Do mesmo modo, as gerações atuais valorizam, no teatro, mais que a intensidade, a precisão, já que o código dominante continua sendo o do "natural".
- Algumas dramaturgias contemporâneas procuraram ultrapassar a tradição naturalista, renovar a representação psicológica, seja por meio de uma relação violentamente íntima com o espectador (Grotowski), seja por uma conscientização dos panos de fundo fornecidos pela psicanálise (Marguerite Duras, Harold Pinter etc), seja por uma reprodução "hiper-realista" do real (Franz-Xaver Kroetz, Michel Deutsch, Jean-Paul Wenzel etc). Mais até do que a diversidade de opções estéticas, ideológicas etc. que regem as pesquisas, o rosto do ator se torna, em todos os casos, um mediador essencial.

1- Modalidades. Na tradição ocidental, a expressão facial se origina de três modalidades específicas, já que o rosto do ator pode estar: 1) nu; 2) maquiado; 3) mascarado. Estas modalidades - será preciso reforçar? - são postas em prática de maneira muito desigual.
A ideologia do "natural", a interpretação psicologizante, estabeleceram, desde o século XVII, como modalidade dominante, senão exclusiva, que o ator represente de cara lavada. A máscara só se perpetuou no terreno estritamente limitado de uma tradição, a da comme-dia dell'arte, e, hoje em dia, salvo exceções, ela não passa de uma referência arqueológica: só a utilizam os diretores que sonham reconstituir ou reencontrar o passado do teatro - ressurreição da tragédia antiga por Jean-Louis Barrault (A Orestíade, 1955), ou Jorge Lavelli (Medeia, 1967), da commedia dell'arte com Arlequim servidor de dois amos, de Goldoni, montada em 1947 por Giorgio Strehler e várias vezes remontada, ou L'Age d'or, première ébauche, de Ariane Mnouchkine, no Théâtre du Soleil (1975). Quanto à maquiagem, foi abandonada às formas desvalorizadas do teatro, aos atores de farsa e aos clowns.

É que, com o rosto nu, a referência ao "natural" é implícita, já que o teatro se propõe a imitar uma realidade em que os rostos estão geralmente nus. Tecnicamente, esta nudez admite, e por vezes requer todas as formas de artifícios, os apliques notadamente, mas na exata medida em que imitam o real - perucas, barbas e bigodes, por exemplo. Em outras palavras, o aplique nunca denunciará sua identidade de artifício. O falso nariz de Cyrano, neste sentido, não tem nada a ver com o de Augusto, clown clássico do circo. Da mesma maneira, a maquiagem poderá "vestir" o rosto do ator desde que este recurso se justifique por uma exigência técnica ou histórica. Exigência técnica: frequentemente a maquiagem permite contrabalançar a "crueza" das luzes. Trata-se então de uma maquiagem invisível para o espectador (base, etc.) que, por este meio, dissimula sua natureza de artifício. Ela evita apenas que o ator pareça pálido sob a luz dos refletores. A utilização deste tipo de maquiagem é hoje manejada mais economicamente do que no passado. Outrora, as rédeas eram deixadas soltas neste campo. Contava-se com a maquiagem para "reparar o insulto irreparável dos anos". Uma sombra escura sob as maçãs do rosto, e eis que esse ator obeso podia recuperar as bochechas cavadas da sua juventude! Tais liberalidades têm seus inconvenientes. Existe, no rosto absolutamente nu, uma verdade, e logo uma força teatral, que a maquiagem suaviza e esconde. Por menos lisonjeiros que sejam para o narcisismo de cada um, os desgastes do tempo escrevem uma história no rosto e, com isso, o tornam falante. Mas, hoje em dia, os papéis são distribuídos com maior preocupação da verossimilhança que antigamente. Leva-se mais em conta a idade, o físico dos intérpretes, sua adequação aos personagens. Este tipo de maquiagem reparadora, então, não tem mais razão de ser, e quanto mais as técnicas de iluminação se aprimoram, mais os in-convenientes que mencionamos tendem a desaparecer. Maquiagem técnica é também aquela do ator branco que representa Otelo e deve, para isso, usar uma base de pele negra. Pode-se assemelhá-la ao aplique: esta maquiagem confere ao ator uma "falsa" pele que deve parecer o mais "verdadeira" possível. Poderíamos lembrar também, na mesma ordem de idéias, a exigência técnica do enfeiamento (Quasímodo) e do envelhecimento (Peer Gynt). Quanto à exigência histórica, ela motiva a reproduzir no teatro uma prática historicamente comprovada. Assim, em As bodas de Fígaro, o Conde Almaviva poderá exibir ruge nas bochechas, conforme o hábito aristocrático do século XVIII... É evidente que nem por isso deixamos de permanecer no terreno da ideologia mimética. Nunca, nesses casos, a maquiagem é um instrumento de teatralidade.
A maquiagem propriamente dita, quer dizer, uso de pinturas de cores não realistas de que os teatros do Extremo Oriente têm uma longa experiência, ficou por muito tempo excluída do palco ocidental moderno. É que precisamente ela não é realista. Não tendo nenhuma referência na realidade, ela parece como uma infração inaceitável ao código do "natural". Na França, se excluirmos algumas experiências mais ou menos desconhecidas, será preciso esperar a grande reviravolta dos anos 60, com sua recusa da tradição mimética, sua descoberta dos modelos do Extremo Oriente, na esteira de Artaud e de Brecht, para que a teatralidade própria ao rosto pintado comece a ser posta seriamente em prática. É curioso, entretanto, que isso ocorra, quase sempre, a título de citação. Como se só se pudesse explorar este caminho lembrando que ele foi aberto por outras tradições. Isso é particularmente evidente nos espetáculos do Théâtre du Soleil: Les Clowns (1969) e 1789 (1970) reativam certas formas populares antigas e datadas; Ricardo II e Noite de reis (1982) remetem ostensivamente aos teatros japonês e indiano. Da mesma forma, um pouco antes, as práticas do Berliner Ensemble, no que concerne à maquiagem, lançavam mão da citação para fins de distanciamento. Citação do teatro chinês para O círculo de giz caucasiano, da maquiagem clownesca para A resistível ascensão de Arturo Ui.
A máscara, enfim, - se distingue da maquiagem pelo fato de anular, com uma superfície rígida; a mobilidade expressiva do rosto. O código mimético dominante baniu esta mobilidade do palco moderno, mas, curiosamente, ela não pára de assombrar o teatro como símbolo que é de dois dos seus momentos culminantes, o de Sófocles e de Aristófanes, o de Arlequim e de Pantaleão.
A máscara acentua e esquematiza os traços do rosto. Na dramaturgia grega ela assumia, ao que parece, uma tripla função: amplificação visual, permitindo ao espectador mais distante uma apreensão satisfatória do personagem; amplificação sonora, na medida em que ela podia servir de alto-falante; amplificação estética, enfim, quando contribuía para o efeito de estranhamento (ao mesmo tempo plástico e vocal) eventualmente exigido pela representação de figuras divinas ou legendárias, como sugere o onkos, aquela testa proeminente e exageradamente alta característica da máscara trágica.
Uma das singularidades mais notórias da commedia dell'arte é igualmente o recurso da representação mascarada. Mas é bom frisar, há personagens que não o utilizam, especialmente aqueles cuja razão de ser é a sedução, os galãs ou innamorati.
Na verdade, quase sempre a máscara, neste teatro, é uma meia-máscara que deixa descobertas a boca e a parte de baixo do rosto. Estas funções parecem ter sido múltiplas, sem que nenhuma tenha predominado:

- Função de identificação: a máscara torna o personagem imediatamente reconhecível para um público que esteja um pouco familiarizado com o universo da commedia dell'arte. Daí um ganho de tempo precioso numa dramaturgia que se apóia primordialmente no ritmo da representação.
- Função de imutabilidade: a máscara preserva o personagem das transformações que intérpretes diferentes (em físico, idade, estilo, etc.) introduzem infalivelmente. Graças à máscara, ele aparece sempre igual a ele mesmo e como que dotado da imortalidade das figuras mitológicas. O que reforça ainda mais o laço de familiaridade que assegura sua popularidade. - Função de estilização: a máscara desloca as técnicas da representação no sentido de uma maior valorização do virtuosismo corporal. Ora, como vimos, é graças à acrobacia, à dança e aos lazzi que o ator dell'arte alcança seus maiores triunfos. Compreende-se, desde então, que a máscara tenha se tornado um acessório obrigatório deste teatro e que, para os innamorati, as figuras mascaradas tenham quase sempre conquistado maior destaque. As máscaras utilizadas pela commedia dell'arte são inexpressivas. Foram concebidas para adotar todas as expressões possíveis, ficando o ator encarregado de dominar a arte da representação "com máscara". Uma inclinação apropriada da cabeça, uma coordenação sutil do corpo e dos gestos, fazem com que a máscara, estranhamente, pareça transmitir a expressão desejada, cólera ou gula, terror ou concupiscência! Eis a dificuldade: a menor aproximação, a menor defasagem, ameaçam falsear a representação e tomar a máscara inoperante.

Por outro lado, se ela valoriza o virtuosismo corporal e gestual, é evidentemente para assumir uma diversidade expressiva de que o rosto não pode se encarregar. De fato, da experiência da representação "com máscara" se tirou logo este conselho: se teu corpo não exprime nada, tua máscara fica muda. E, por extensão: quanto mais teu corpo fala, mais tua máscara é expressiva. O século XX é sem dúvida, depois da Renascença, a primeira época do teatro a se interessar por conhecer e ressuscitar o passado. Eis por que ele trouxe a máscara de volta ao palco. Desde 1909, Craig, que se rebelava violentamente contra o mimetismo dominante e a representação "à base de emoção", via na máscara o instrumento de uma possível salvação do teatro. Para ele, não se tratava de reencontrar tradições perdidas - o teatro não tem que ser uma arqueologia - nem de copiar desastrada e caricaturalmente práticas não-ocidentais. A máscara do futuro, segundo Craig, ainda precisava ser inventada. Por outro lado, ele não via nela de modo algum o instrumento de um virtuosismo expressionista, mas ao contrário, um meio de escapar do predomínio da representação psicológica.
É um pouco neste mesmo espírito - ainda que o seu projeto estético e a sua ideologia sejam profundamente diferentes - que Artaud preconiza, ao lado da
utilização de "manequins de vários metros de altura", a de "máscaras enormes"... O peso das rotinas e das falsas tradições não permitiu que estes sonhos se realizassem. Seria preciso esperar os anos 60 para ver um grupo americano, o Bread and Puppet Theatre, colocar no centro de sua prática estas propostas artaudianas e, a partir de então, atingir um sucesso internacional.
Na França, os que se aproximaram de Artaud, como Jean-Louis Barrault com Numance (1937), Estado de sítio (1948) ou A Orestíade (1955) e Roger Blin com o teatro de Genet [Os negros, 1959; Os biombos, 1964), tentaram ressuscitar a máscara. Mas foi possível perceber que eles não souberam superar um mero quadro de citações. Suas máscaras, inspiradas em diversificadas tradições (África, Antiguidade etc.) pareciam sempre ostentar não se sabe que legitimidade cultural!
Na verdade, é provavelmente a commedia dell'arte que permanece como a fonte inspiradora mais fecunda para os artistas de teatro preocupados com a questão da máscara. Daí partiram A Princesa Turandot, de Gozzi, ressuscitada em 1922 em Moscou por Vakhtangov e, mais recentemente, o admirável Arlequim servidor de dois amos, recriado por Giorgio Strehler graças ao prodigioso ator Marcello Moretti, L'Age d'or do Théâtre du Soleil (Ariane Mnouchkine) e, em 1983, Oiseau vert, montado por Benno Besson.
Cabe reconhecer, porém, que no momento atual a representação "com máscara" só ocupa, nas atividades do ator, um lugar inteiramente marginal. Mas se ele sente tanta saudade dessa representação, é que ela simboliza a própria especificidade do teatro. Trata-se de alguma coisa insubstituível que o cinema, apesar das suas imensas possibilidades no campo do espetacular, não pode pretender lhe roubar... Enfim, talvez isso se dê também porque a máscara parece restituir ao ato teatral uma dimensão primordial e esquecida, a do sagrado: "O ator, em cena, observa Giorgio Strehler, não pode tocar a máscara com um gesto habitual (colocar a mão na testa, o dedo nos olhos ou cobrir o rosto com suas mãos). O gesto fica absurdo, não humano, falso. Para reencontrar a sua expressão, o ator deve esboçar o gesto com a mão, não concluí-lo de maneira realista sobre a máscara. A máscara, em suma, não suporta o caráter concreto do gesto real. A máscara é ritual" {Un théâtre pour Ia vie, pg.167).

2- Práticas. O rosto de ator também é afetado, tal como o gesto e o corpo, pelo trabalho de treinamento da expressividade; e, desde Stanislavski, os pedagogos aperfeiçoaram seus métodos neste campo e aprofundaram suas experiências. Trata-se, para o ator, de um trabalho ao mesmo tempo plástico e orgânico. Ele deve desenvolver o que poderíamos chamar de sua imaginação facial e aprender a controlar a própria musculatura do seu rosto.
Como o corpo e a voz, o rosto do ator deve enfrentar dois tipos de dificuldades: os bloqueios que o psiquismo opõe à exibição teatral, de um lado, e de outro a facilidade do recurso aos estereótipos. É para tomar consciência destes obstáculos e dominá-los que um treinamento bem planejado deve ser aplicado. A tradição mimética, no palco ocidental, escolheu o rosto do ator como suporte essencial da representação psicológica. É a alteração dos traços do rosto que manifesta afetos, reações, sentimentos. Neste sentido, ele é o complemento necessário da voz, do gesto e do corpo. Ele determina ou intensifica o que estes elementos indicam de maneira mais ou menos esquemática. Ainda aqui, é preciso lembrar o caráter polifônico típico da arte do ator: o rosto pode dizer algo diferente da entonação e do gesto. A frieza da mímica, a dureza do olhar poderão desmentir o falso arrebatamento de paixão de um Don Juan; ao contrário, o olhar e a mímica de Roxane, em Bajazet, traduzirão eloqüentemente uma paixão que a diferença estudada da voz procurará dissimular. No melhor dos casos, este processo de saturar a expressividade do rosto através da multiplicação das nuances de sentimento provoca uma sutil metamorfose do ator e demonstra a interiorização do papel. Assim o seu rosto se transforma no do personagem. Com a silhueta, o andar etc., ele imprime sua "presença" ao longo da peça. E um dos traços característicos para o grande ator é precisamente esta capacidade de ter tantos rostos quantos forem os personagens que interpreta. A documentação fotográfica fornece apenas uma vaga idéia desta diversidade. O que confirma que ela é inerente à interpretação "aqui e agora" e ao magnetismo que dela emana.
A interiorização do papel se tornou, ao longo do século XX, um objetivo prioritário, na medida em que a reflexão teórica e a experiência levaram o ator a valorizar a noção de autenticidade e, em conseqüência, a pregar a eliminação do estereótipo. Exigência esta certamente reforçada pela familiarização dos atores e do público com os recursos (mas também com as pressões) da representação cinematográfica. Claro está que a distância do palco à platéia, se nos referirmos ao modelo consagrado da arquitetura italiana, impõe ao rosto do ator uma obrigação de aumento (o detalhe sutil deve ser visto de longe), logo de exagero. Transposto tal e qual para a tela, este artifício vira uma insuportável afetação. Em outras palavras, estas duas artes freqüentemente postas em paralelo sob pretexto de que tanto uma como a outra utilizam atores, e às vezes os mesmos, exigem na verdade destas qualidades quase antagônicas. Por conseguinte, o ator de teatro tem freqüentemente dificuldades em atenuar a projeção expressiva de sua representação facial em função dos efeitos acentuadores da câmera; e a vedete da tela nem sempre consegue se impor da mesma maneira no palco.
Os registros de encenação e outros documentos de trabalho mostram bem como funciona a tradição dominante e como o diretor procura obter de seus atores uma fluidez expressiva que convenha ao mesmo tempo à interpretação do personagem, à estética dramática que a obra pede e, de modo mais geral, à expectativa do público determinada por todo um conjunto de fatores culturais, tradições, experiência pessoal etc.
Tomemos um pouco ao acaso a cena da declaração de Fedra a Hipólito (Fedra, II, na montagem já mencionada de Jean-Louis Barrault. O diretor quer que Fedra "se desfaça da sua máscara", mostre um "rosto fechado". Ele elabora efeitos.
Talvez por isso, certos cineastas, como os neo-realistas do pós-guerra na Itália ou Robert Bresson na França, preferem trabalhar em cima da inexpressividade (ou da menor expressividade) de atores não-profissionais. Estes, desprovidos de técnica e experiência, oferecem ao diretor uma matéria-prima mais maleável.
O que impressiona nestas indicações é o seu caráter minuciosamente cinematográfico, como se o diretor tivesse saudade do dose e do plano americano; é, por outro lado, uma espécie de sincretismo em que se fundem várias tentações estéticas: a relação de magnetismo entre os rostos, a afirmação de uma sensualidade, o posiciona-mento dos personagens em um espaço semelhante àquele de uma imagem cinematográfica (dose), tudo isso revela uma importância inusitada na época (1942), na representação trágica. Ao mesmo tempo, Barrault tende a estilizar a mímica, a fazer do rosto uma máscara. Não é por acaso: Barrault conhece bem as teorias artaudianas sobre "as dez mil e uma expressões do rosto transformadas em máscaras" (O teatro e seu duplo). Ele se preocupa, por outro lado, em encontrar um equivalente moderno para a estilização da representação trágica em moda na época de Racine. Nem por isso ele esquece uma certa imagem "cultural" da tragédia de Racine tida como um lugar privilegiado de uma investigação do coração humano e de uma análise dos poderes da paixão. Eis por que "seus" rostos exprimem plasticamente o trabalho interior do sofrimento, do remorso, do desejo etc.
"Não podemos imaginar sem terror a máscara que Fedra deve ter neste momento. Enquanto mulher, ela está agora humilhada, derrotada. Enquanto rainha está morta de vergonha. Já semimorta por essa paixão que lhe rasga as entranhas, eis agora, o olhar fixo, a máscara perigosamente fechada, implacável" (pp. dt., indicação 34).
Desde a aurora do século XX, várias teorias estéticas contribuíram para a utilização de recursos da representação facial numa perspectiva não psicológica. A título de exemplo, enfocaremos aqui o expressionismo e o teatro brechtiano, a teoria artaudiana e, em tempos mais recentes, a experiência de Jerzy Grotowski na Polônia. Mas, para ficar completo, será preciso também evocar as contribuições de Craig, de Lugné-Poe, ou de Jarry, etc. Todas estas experiências têm este ponto em comum: o rosto do ator é tratado como uma máscara. Ele está encarregado de traduzir, de modo estilizado, a expressão dominante, e como que emblemática, de um personagem. Craig, já em 1900, clamava por uma estilização semelhante. "A expressão do rosto é em grande parte sem valor. Meus estudos sobre o teatro me ensinaram que é preferível que o rosto de um ator ofereça antes seis expressões do que seiscentas, desde que estas seis não sejam insípidas" (A propôs de masques). Esta limitação, como vemos, tem por objetivo anular a fluidez expressiva inerente à representação psicológica. Uma maquiagem não realista vem bem a calhar. Ela reforçará a estilização da mímica, privando o rosto de qualquer referência ou modelo extraído da realidade, acentuando assim o efeito de máscara. No caso do teatro expressionista que floresceu na Alemanha dos anos 20, trata-se de fazer do rosto, como aliás de todos os componentes da representação, um princípio de ação violenta sobre a sensibilidade do espectador. Os documentos fotográficos dão uma idéia bastante precisa da expressividade facial paroxística dos grandes intérpretes expressionistas, tais como Fritz Korner, que foi um notável Ricardo III. Mas é evidentemente o cinema mudo da mesma época que constitui a fonte de informação mais preciosa: a recusa do realismo e do psicologismo permite de fato transpor fielmente para a tela a teatralidade exacerbada do ator expressionista, e isso tanto mais quanto a ausência de sonorização o obriga a concentrar na pantomima a procura da intensidade expressiva.
Artaud, por sua vez, preconiza uma rigorosa codificação da representação facial. Em outras palavras, o efeito da máscara pressupõe aqui o recurso do estereótipo enquanto base necessária (e a única possível) de uma linguagem comum ao espectador e ao ator: "As dez mil e uma expressões do rosto, congeladas em máscaras, podem ser discriminadas e catalogadas para participar direta e simbolicamente desta linguagem concreta do palco; e isto nada tem a ver com sua utilização psicológica particular" (O teatro e seu duplo, 1932).
Na mesma época, Brecht tomava consciência das potencialidades de uma representação facial não psicológica. Já em 1922 (com 24 anos de idade), ele admira em Karl Valentin e em Charles Chaplin "a renúncia quase completa ao jogo de fisionomia e à psicologia de bolso" (Escritos sobre o teatro). Sua recusa do pathos e da alucinação do espectador que passa pela representação emocional o conduz a exigir do ator uma distância expressiva e uma mímica "fria" que, deliberadamente, deixam perceber, por trás do personagem, o trabalho do ator que o representa e o mostra como um objeto de surpresa.
A pesquisa de Grotowski, nos anos 60, se alimentou de todas estas teorias e tentativas que ele conhece perfeitamente. O efeito de máscara em seu trabalho reencontra as preocupações expressionistas ou aquelas de Artaud, na medida em que ele está ligado à dimensão propriamente mitológica da representação teatral.
"O ator deve compor a sua própria máscara orgânica por intermédio de seus músculos faciais, e cada personagem guarda a mesma careta ao longo da peça (Akropolis). Enquanto o corpo inteiro mexe em função das circunstâncias, a máscara permanece cristalizada como uma expressão de desespero, de sofrimentos e de indiferença (...). O resultado é uma despersonalização dos personagens. Quando os traços individuais são retirados, os personagens viram representantes da espécie humana desumanizada" {Em busca de um teatro pobre, 1964).
Poderíamos citar outras experiências recentes (Beckett, Genet, por exemplo). Elas confirmariam o seguinte: com ou sem a ajuda da maquiagem, a prática de uma representação facial não psicológica leva sempre a fazer o rosto trabalhar como uma máscara polivalente, ao mesmo tempo capaz de expressões múltiplas e deliberadamente limitada em sua abundância.

3- Rostos cinematográficos. Originalmente, se excluirmos os cinemas expressionista e burlesco que reservam um espaço essencial à estilização mímica (efeitos de máscara, maquiagens, caretas etc.), o código do "natural" rege estritamente a representação facial do ator na tela, entendendo-se que a combinação deste código com os efeitos de amplificação da imagem lhe impõe ou lhe permite uma contenção de nuances expressivas.

Todavia, o passado do cinema já é bastante significativo para que se possa encontrar nele a confirmação da idéia levantada pelos teóricos modernos da representação: qualquer "natural" é, apesar de tudo, histórico. A hipótese de uma coincidência absoluta da representação no cinema com a realidade que ela quer reproduzir é um engodo. Engodo que só funciona alimentado pela convicção (manipulada) do espectador de que esta coincidência está sendo atingida. Basta uma defasagem de algumas décadas para que este mesmo espectador tome consciência de que a ilusão do "natural" de uma época determinada procedia de um conjunto de meios expressivos deliberadamente escolhido, logo de um trabalho de estilização. O "natural" de um Jean Gabin, que garantiu-lhe a popularidade entre os anos 40 e 60, aparece como uma soma de artifícios, se o compararmos com o "natural" mais recente, de um Gérard Depardieu, que um dia, por sua vez... O fenômeno, no cinema, parece universal: é curioso observar que todo ator começa por se impor através da impressão de autenticidade transmitida pelas suas interpretações. Em confronto com ele, seus predecessores parecem subitamente artificiais! James Dean, nos anos 50, configura o próprio rosto da juventude americana. Trinta anos depois, percebemos os artifícios, e até mesmo os tiques de um jogo facial (cabeça inclinada, piscar de olhos), e nos lembramos então que este "natural" era um produto habilmente fabricado pelo Actors' Studio e por Hollywood. O rosto do ator, no cinema, requer qualidades que não são exatamente as que pedem o teatro. Podemos reunir estas qualidades sob o termo geral de fotogenia, contanto que não se queira dizer com isso que o ator precisa fornecer sempre uma imagem sedutora de si mesmo. Certos rostos "absorvem" especialmente a luz, "falam" à câmera, de tal maneira que revelam capacidades de expressão e de emoção sem relação com a beleza ou o sex appeal e sem emprego no palco. Ao contrário, poderá acontecer que a presença cênica de um ator não consiga transferir-se para a imagem.
A que atribuir esta fotogenia? A resposta é certamente complexa: existe primeiramente uma natureza fotogênica, privilégio de uns e não de outros. Há, em seguida, um instinto, uma espécie de saber pessoal do ator sobre o seu próprio rosto e as relações que ele pode estabelecer com os recursos técnicos do cinema. Romy Schneider, diz-se, prestava uma atenção vigilante às luzes sob as quais ela teria de representar. Há enfim, em decorrência da experiência precedente, uma arte cinematográfica da metamorfose do rosto. Arte coletiva para a qual contribuem não somente o ator, mas o diretor, o diretor de fotografia, o iluminador etc. As transformações de que são capazes, de um filme para outro, um Orson Welles ou um Marlon Brando, com a ajuda do maquiador, não são, no fundo, muito diferentes daquelas que vemos no teatro. Mas o que dizer desta espécie de "efeito Pigmalião" que une, para sempre, um diretor e um(a) intérprete? Não é exagerado afirmar que o "verdadeiro" rosto de Marlene Dietrich, aquele que contribuiu para fazê-la a star que conhecemos, foi literalmente "inventado", fabricado pelo diretor Jõseph von Sternberg. Definitivamente, é talvez esse traço característico que mais distingue o ator de cinema e o de teatro: uma parcial perda de si mesmo.