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O Gesto


Capítulo 2 - O GESTO

Retrospectiva histórica

Originalmente, a gestualidade parece dominar a cena cômica. É o que constata o famoso estudo de Bergson sobre o riso: "As atitudes, os gestos e os movimentos do corpo humano são risíveis na exata medida em que este corpo nos lembra uma simples mecânica." A verdade é que de Arlequim a Groucho Marx, atores de farsa e clowns são geralmente virtuoses do gesto e do movimento, algumas vezes mímicos e acrobatas...

1- A tradição da pantomima. A atelana, do período romano, era um gênero farsesco que prenunciava a commedia dell’arte. Ela usa uma galeria de tipos fixos - o parvo, o velhote libidinoso, o corcunda astuto etc. - e uma improvisação sobre o roteiro. Quer dizer, o diálogo é reduzido ao mínimo funcional e deixa livre trânsito à fantasia gestual do ator. A arte do gesto alimentou da mesma forma o cômico medieval. Desde o século XII encontramos, na França e na Itália, jograis itinerantes cujas práticas gestuais e miméticas eram bastante próximas, ao que parece do gestual do clown, do artista de music-hall ou hoje, de um Dario Fo, que brinca com a relação entre o ator e um público explicitamente reconhecido como parceiro, e até como interlocutor. O ator aqui se torna o narrador de uma ação, encarnando, ao mesmo tempo, seus personagens. Para empregar a terminologia brechtiana, ele passa da forma dramática à forma épica. A gesticulação burlesca ou acrobática e a pantomima eram, de certa forma, impostas ao ator pelas condições materiais da representação: aquele teatro ao ar livre que se dirigia a multidões de milhares de espectadores impunha tamanhas distâncias visuais e acústicas que uma representação feita de sutilezas era um tanto impraticável. A imensa área de representação oferecia, em compensação, um espaço apropriado ao desenvolvimento de toda uma comicidade gestual e corporal à base de danças, acrobacias, correrias de grupos de bufões... Comicidade espetacular perfeitamente adequada ao caráter espetacular do teatro medieval.

2- Os "lazzi" da "commedia dell'arte". Existe, nesta representação all'improvviso, um constante risco de "buraco", de "vazio": o tempo pode afrouxar, a ação emperrar, o ator carecer provisoriamente de inspiração dramatúrgica... O “lazzi'' é um recurso e um socorro. Na terminologia contemporânea, seu equivalente é ogag.
Podemos defini-lo como um momento da representação mais ou menos autônomo. Ele se organiza em torno de uma ação gestual - que vai da careta à acrobacia-sustentada, se for o caso, por um suporte textual Gogos de palavras, trocadilhos, obscenidades, etc.) e alguns acessórios.

A engenhosidade do ator, seu virtuosismo, seu senso de ridículo... Podiam aí ter livre trânsito. O lazzi, para ele, era uma afirmação de liberdade criadora. A tradição perpetuou os inumeráveis tipos de lazzi: graças ao pequeno saco cheio d'água escondido na bochecha, Arlequim molhava todos os que o esbofeteavam; Scaramouche foi ao que parece capaz de dar uma bofetada com o pé até a idade de... 83 anos! Vários Arlequins (Biancolelli na época de Molière, Thomassin no tempo de Marivaux...) foram célebres pelo lazzi do copo de vinho: tratava-se de dar uma pirueta com um copo de vinho na mão sem entornar uma só gota.
O impacto do lazzi vem apimentar o sabor do cômico. Sua função seria de certa forma técnica: ele realiza uma forte concentração de interesse e permite assim aos atores retomarem controle e relançarem a representação all’improvviso. Mas logo a popularidade dos lazzi desloca essa função inicial para segundo plano. Eles se tornam a própria finalidade da representação, o elemento a que todo o resto deve estar subordinado...

3- Do século XVII ao XIX, gestualidade e realismo. Seria evidentemente ingênuo pensar que a questão do gesto se coloca apenas para o ator cômico. O teatro "sério" tem sua gestualidade própria, e certos depoimentos antigos mostram que o público sabia apreciá-la. Contemporâneo de Molière, o autor de Entretiens galans evoca assim Armande Béjart e La Grange, dois dos principais atores da companhia: "Seu exterior têm qualquer coisa que se impõe, seu porte é sedutor e sua representação imita tão bem a natureza que eles fazem por vezes cenas mudas que deliciam a todo mundo."

Entretanto, é principalmente a crítica ao academicismo declamatório, no século XVIII, e o surgimento de novos gêneros reclamando uma exata fidelidade ao real, que vão, no teatro moderno, promover a gestualidade. A trivialidade aparente das situações, a humanidade banal dos personagens ("homens de uma condição média, oprimidos e infelizes", especificava Beaumarchais), tudo isso exigia, da parte do ator, um novo realismo e proibia a estilização que figuras mitológicas e um diálogo versificado tornavam aceitável na tragédia. Descobre-se o que o gesto pode significar. A pantomima não é mais um gênero autônomo. É uma linguagem do corpo e do rosto destinada a completar, a esmiuçar, e mesmo a enfraquecer ou substituir a linguagem verbal. Diderot disse: "O gesto deve ser escrito muitas vezes em lugar do discurso. Acrescento que há cenas inteiras em que é infinitamente mais natural aos personagens se movimentarem do que falarem" {Discours sur Ia poésie dramatique, 1758). Esta concepção desemboca num verdadeiro picturalismo: a pantomima permite reproduzir em cena imagens inspiradas na pintura contemporânea, a de Greuze notadamente. Ela
oferece, por outro lado, um vasto campo de experiência ao ator. E se integra de fato a esta nova "linguagem viva, rápida, entrecortada, tumultuada e real das paixões" (Beaumarchais) que dá largo espaço à expressão paraverbal (gritos, suspiros, soluços etc.).
Esta evolução doutrinal condiciona a evolução do gosto. Presta-se cada vez mais atenção, por exemplo, à pantomima na interpretação da tragédia...
Em 1807, Mille. George interpreta Roxane em Bajazet. A imprensa é unânime em considerar "muito bonita" e "muito expressiva" a encenação muda que conduz ao célebre "Sortez!" ("Saia!") do último ato. E Nodier, em 1814, critica com precisão Mille. Petit que retomou o mesmo papel: "Ela realiza muito bem a parte da mímica que consiste na colocação corporal, nas atitudes, no jogo da fisionomia. Mas é menos feliz nos gestos" (Le Nain Jaune, 16 de agosto). E censura-a pelas "convulsões de cabeça", pelos "tremores afetados de ombro e de peito" etc. Também Talma impressionava pela força expressiva de seu gestual: "No momento em que, repelido por Hermione, ele fica atordoado de espanto, procura se firmar no solo que treme sob seus pés, tomba sobre si mesmo porque o golpe é muito imprevisto, rude demais para suas forças" (Couture père, Soixante Ans du Théâtre-Français). Napoleão, porém, achava que o grande trágico exagerava um pouco! Nas suas Mémoires sur Lekain et sur l'art dramatique (1826), o próprio Talma transcreve as seguintes reflexões do Imperador, que o tinha visto como Nero de Britannicus: "Eu queria perceber mais na sua representação a luta de uma natureza má com uma boa educação; queria também que você fizesse menos gestos; aquelas naturezas não se expandem exteriormente; elas são mais concentradas." E se Rachel, um pouco mais tarde, causa impacto na cena trágica, é porque ela não ignora o gestual vivo, "realista", das vedetes do melodrama. Marie Dorval desfalece em Antony. Rachel não hesitava em desmaiar em Horace...

2- A gestualidade contemporânea

O treinamento gestual, A atualização do gesto no teatro deve ser dosada e fiscalizada. Neste campo, a mitologia espontaneista não dá bons resultados, e o acaso não é bom diretor! Daí a necessidade de um treino sistemático. Ele não apenas assegura ao ator o domínio de seu gesto, como o enriquece do ponto de vista da variedade expressiva e lhe permite adaptar-se a todas as exigências da representação.
O controle do gesto depende do domínio da representação. Uma má respiração descontrola rapidamente o trabalho do corpo. Por falta de uma completa liberdade, ele fica bloqueado e não responde mais plenamente à intenção do intérprete. Ora, esta liberdade só lhe é dada pelo equilíbrio orgânico e pela resistência ao cansaço - e para tanto a respiração é o fator essencial. Esta liberdade, por outro lado, multiplica as potencialidades gestuais do ator. Ela é a única via de acesso ao virtuosismo.
Os exercícios escolares, no caso, visam a vários objetivos. Os principais são:

- a flexibilidade mimética: trata-se de habituar o corpo a reproduzir legivelmente um modelo dado; por exemplo, o exercício do gato (que se levanta, se estira etc.) apóia-se num gestual complexo que mobiliza pernas e braços, cabeça, pescoço e coluna vertebral;
- o controle do aparelho muscular, que é aperfeiçoado por todos os exercícios de contração e de descontração; - a invenção plástica: o exercício obriga o ator a dar uma forma física precisa às imagens que lhe são sugeridas pelo roteiro proposto; por exemplo: imitar um longo vôo de um pássaro desde o momento em que ele toma o seu impulso até o momento em que aterrissa...;
- o virtuosismo corporal desenvolvido por toda uma gama de exercícios semi-acrobáticos ou semi coreográficos, como a imitação do salto de um tigre ou de uma situação de combate em que o ritmo poderá ser batido por um instrumento de percussão...;
- a imaginação simbólica: trata-se aqui de compor legivelmente papéis não humanos; o ator, por exemplo, fará de seu corpo uma flor que desabrocha e depois murcha, sugerirá a vida secreta de uma árvore etc. O ponto de vista comum, o do espectador, é o de que um gesto exprime alguma coisa (um sentimento, uma paixão, uma relação de forças, etc.). O gesto seria então um complemento. Mas a experiência do ator testemunha um funcionamento inverso: é o gesto que precede o sentimento e que lhe dá forma. Jouvet, por exemplo, aconselhava seus alunos do Conservatório a começar por encontrar o gesto exato. Este gesto, tal como um fio condutor, induz a expressão, a entonação, o movimento cênico. Daí a importância que um pedagogo como Stanislavski atribui às técnicas de virtuosismo inspiradas na acrobacia e na dança. Elas evitam os descontroles e as vacilações do corpo. O absoluto controle muscular característico do dançarino ou do acrobata favorece ao mesmo tempo a rapidez e a perfeição gestuais. Pode-se, de fato, traçar um paralelo entre o momento de maior tensão de um papel e o momento de maior risco de um exercício acrobático. Nos dois casos, a menor fragilidade do corpo leva ao fracasso, à queda do acrobata, à hesitação e à contração do ator...

A acrobacia e a dança são, para o ator, disciplinas complementares. A primeira favorece o controle muscular, a segunda trata da plasticidade do gesto, da sua fluidez, sua extensão, sua cadência... Em suma, elas criam uma estética gestual. "As duas disciplinas, justapostas, tendem a desenvolver o gesto, a dar-lhe uma linha, uma forma, uma direção, um espaço" (Stanislavski, A construção do personagem). Todavia, teatro e dança, em geral, não têm o mesmo objetivo estético. A justeza do movimento coreográfico é avaliada tendo por referência um código formal específico (a inscrição harmoniosa do corpo no espaço ou a coerência intrínseca do bale); o gesto do ator remete, quase sempre, a um código mimético (ele veicula uma significação, reflete uma realidade). Existe um esteticismo, e mesmo uma afetação da dança que o ator deve evitar. Eis por que a escola stanislavskiana insiste tanto na motivação do gesto: "Quando se representa, nenhum gesto deve ser executado por ele mesmo. Seus movimentos devem ter sempre um objetivo, devem estar sempre ligados ao conteúdo do seu papel. Se sua ação dramática está orientada em direção a um fim preciso, produtivo, podem estar certos de que vocês fugirão à afetação, à pose e a outros perigos do gênero" (op. cit). É lastimável que estas recomendações que datam do princípio do século ainda não tenham entrado para os hábitos do ator francês de hoje em dia. As exigências de tal treinamento, seu custo material, as dificuldades profissionais que o jovem ator deve enfrentar, tudo isso explica, melhor que a indiferença, estas lacunas de sua formação e conseqüentemente seus limites artísticos.

2- A teatralidade do gesto. A dança revela que o movimento e o gesto sempre foram percebidos como meios de estabelecer com o espectador uma comunicação afetiva não verbal. É neste sentido que se pode falar numa teatralidade do gesto. Várias tendências do teatro contemporâneo procuram explorar, fora de qualquer condicionamento, esta teatralidade.

Alguns teóricos, como Artaud, sonharam com uma codificação da prática gestual que permitiria representar com uma linguagem auxiliar, tão precisa e decifrável como a palavra. Significaria, em suma, tratar o gesto como uma frase, ou seja, elaborar uma sintaxe e até mesmo uma métrica do gesto. Jean-Louis Barrault, por exemplo, não hesita em assinalar: "A atitude, o movimento propriamente dito, a indicação, que compõem o gesto, não nos remetem ao sujeito, ao verbo e ao complemento?" (Mise en scène de Phèdre, pg.63). A metáfora pode parecer mal-
ajustada. Entretanto, alguns teatros do Extremo Oriente souberam ir bem mais longe que nós na elaboração e na prática de uma verdadeira gramática do gesto.
A este respeito, a descoberta, pelo Ocidente, destes universos estéticos representou um papel decisivo na evolução do pensamento teatral moderno. Sabe-se que o teatro de Bali foi, para Artaud, uma revelação enorme, que o teatro chinês foi estudado de perto por Brecht, e depois por Grotowski. A partir de 1950, as tournées permitiram ao público ocidental descobrir a prática imemorial da Ópera de Pequim. A linguagem do gesto, neste teatro, não serve apenas para traduzir as emoções ou figurar as ações. Ela materializa o espaço ambiente, os objetos necessários, e até a ambientação, a iluminação etc. Num episódio famoso, o ator conseguiu gestualmente, tomar "presentes" um rio e a barca que tenta atravessá-lo. E uma cena de combate noturno é representada em plena luz; cada adversário, tateando, procura o outro, o encontra, o evita etc. Assim, é a própria pantomima que "cria" a noite escura na qual se desenrola o combate...
Sem dúvida, este poder de sugestão não era ignorado na tradição ocidental. Afinal de contas, ele constitui a própria base da pantomima que, como arte autônoma, teve seu momento de glória com Deburau, por volta de 1840, e recebeu recentemente de Mareei Marceau uma segunda juventude. Mas enquanto meio de expressão teatral, ela ficou mais ou menos escondida, quer pela tentação naturalista, quer pela ilusão tecnológica. Por um lado, o ator devia limitar sua gestualidade em cena àquela que seu personagem podia verossimilmente pôr em ação "como na vida"; por outro lado, acreditou-se que os progressos da técnica permitiriam materializar tudo. Pouco a pouco, vozes foram se levantando contra esta obsessão mimética (Craig, os simbolistas, Copeau, Artaud etc.). E, neste plano, o cinema revelou-se mais bem equipado que o teatro. Por fim, o século XX redescobriu que o gesto podia, ou devia voltar a ser um instrumento não apenas de expressão, mas de sugestão, e até mesmo de materialização. Quando, sobre um palco nu, os atores imitam o rebentar das ondas (em Christophe Colornb, de Claudel, encenado em 1953 por Jean-Louis Barrault), é um sistema de gestos e de movimentos que permite ao espectador "ver" um mar sem dúvida mais "real", ou ao menos mais "presente" do que se ele devesse aceitar as convenções aproximadas e enganadoras do telão pintado... Estranha faculdade do teatro, ou antes, do ator, a de fazer da ausência uma irrecusável presença.

3- A expressividade do gesto. O teatro ocidental baseia-se, em regra geral, na expressividade do gesto. O problema consiste no seguinte: não basta executar corretamente, com exatidão, o movimento determinado pelo diretor. É preciso ainda que este movimento participe da interpretação do papel. Um mesmo gesto pode traduzir e suscitar uma emoção intensa ou refletir um desesperador vazio expressivo.
Portanto, a formação do ator visa a assegurar a autenticidade expressiva do gesto. Ela deve lhe fornecer os meios para romper com a esclerose que emana da rotina interpretativa. É este o objetivo da famosa técnica stanislavskiana do "reviver": reativando sua experiência vivenciada pelo jogo combinado da "memória afetiva" e da imaginação, articulando-o com as exigências do papel, o intérprete se obriga a inventar o gesto mais acertado, a fundamentá-lo na necessidade em vez de recorrer à facilidade ilusória do estereótipo. Neste quadro, está claro que o trabalho com o gesto não é autônomo. O ator deve garantir uma adequação entre o gesto e a palavra que não é apenas psicológica, mas também estética: nada é mais prejudicial à própria credibilidade de uma interpretação do que as discordâncias involuntárias entre um e outro. Um gestual prosaico arruinará a beleza de uma declamação inteligente. Inversamente, o gesto "teatral" (no sentido pejorativo do termo), pertencente a um código trágico obsoleto, ridicularizará o naturalismo de uma interpretação de Tchékhov ou de Gorki. É que a referência a dois códigos distintos cria um efeito de confusão prejudicial à apreensão do personagem pelo espectador e, a partir daí, nocivo à ilusão e à participação. Ao contrário, esta mesma discordância, quando desejada e calculada, poderá entrar eficazmente no jogo "épico", já que a interpretação brechtiana se baseia na heterogeneidade dos códigos que impede, precisamente, esta adesão afetiva, apontada pelo teórico do Pequeno organon como mistificadora. É, pois, imprescindível que o ator tenha uma clara consciência das formas de relação possíveis entre gesto e palavra. Vimos que há diversas formas de articulação. Da mesma maneira, é possível distinguir diferentes sistemas gestuais que se liguem ou não ao modo de articulação exigido pelo papel, pela situação etc. Uma mesma atriz poderá, sem dúvida, representar Berenice e a Dama das Camélias; ela não poderá usar indiferentemente para os dois papéis a mesma linguagem gestual, assim como não recorrerá às mesmas formas de articulação.
A expressividade do gesto implica de antemão aquilo que poderíamos chamar de uma disciplina de abundância. Um dos defeitos mais comuns do ator inexperiente consiste de fato em confundir gestual e gesticulação, quer dizer, em substituir um sistema expressivo definido por uma sobrecarga descontrolada. Nestas condições, a clareza da mensagem se confunde e a eficácia do gesto se esvazia na mesma medida. Depois de Copeau e do Cartel, Jean Vilar insistiu fortemente neste ponto: do mesmo modo que a dicção deve permitir uma estilização da palavra, é preciso que haja uma estilização equivalente do gestual. Um único gesto, plasticamente elaborado, dramaticamente pertinente, terá mais intensidade e eficácia expressivas que um caos de movimentos esboçados, improvisados, que produzem uma sensação de hesitação e de não-acabamento.
Se deixarmos de lado os gestos determinados pelo texto dramático, que são uma obrigação para o intérprete (a bofetada de Cid, por exemplo, determinada pela rubrica, ou gestos inevitáveis de Lady Macbeth indicados no próprio diálogo da famosa cena de sonambulismo: "olhe como ela esfrega as mãos..."), cabe considerar a parcela de invenção do ator, ou seja, esse conjunto de gestos e movimentos que o papel jamais determina, mas que o ator de talento sabe tornar fundamental.
Pode-se retomar aqui a colocação de H.U. Wespi, que define entre o gesto e a palavra as três seguintes formas de relação: 1) acompanhamento; 2) complementação; 3) substituição.
O gestual de acompanhamento é da ordem da redundância. Ele reforça, prolonga, amplifica a mensagem enunciada pela voz (discurso e inflexões). Este é geralmente o nível em que se verifica mais facilmente o recurso do ator pouco inspirado ao estereótipo. É de fato tentador, por ser esta a solução mais econômica para a imaginação interpretativa, explorar o acervo de gestos constituído por gerações de atores, que se tornou uma espécie de esperanto da cena, decifrado sem esforço pelo espectador menos atento: quando Ruy Blas se joga aos pés da rainha e põe a mão sobre o coração no momento em que exclama: "Porque eu vos amo!", o "padrão" gestual da "declaração de amor" é imediatamente decifrável. Aqui o gesto é simplesmente uma visualização redundante do discurso.
O desenvolvimento da representação psicologizante favoreceu, no gestual de acompanhamento, uma articulação "defasada" do discurso que permite, por exemplo, a simultaneidade de uma expressão voluntária (o discurso) e de uma expressão involuntária (o gesto). Defasagem que usa igualmente o ator brechtiano: uma de suas funções consiste em ressaltar as contradições de seu personagem que resultam de sua posição num campo de forças econômicas e sociais. Explica Brecht:
"O ator que vai representar uma situação mostrando o herói corajoso (...) pode muito bem introduzir a margem um detalhe de pantomima, hábil comentário gestual de uma frase, e descrever assim a crueldade cometida pelo herói para com o seu criado. À fidelidade de um homem, ele pode associar a avareza, atribuir ao egoísmo um ar de sabedoria, ao amor à liberdade um caráter mesquinho. Ele indica assim em sua composição a presença de uma contradição de que ela necessita" (Escritos sobre o teatro, I, "Sobre o trabalho do ator", 1935-1941).
O gestual complementar constitui um prolongamento significativo do discurso. Ele introduz sentido onde a palavra, por impotência, deixa uma lacuna. No momento em que Orgon quer comunicar a seu cunhado todo o "deslumbramento" que Tartufo lhe inspira, a intensidade desse sentimento excede qualquer expressão articulada: "É um homem... que... ah... um homem... um homem, enfim." O texto não traz nenhuma indicação de representação, mas está claro que esta retórica da interrupção e da exclamação só será cenicamente eficiente se ela mobilizar a imaginação gestual e mímica do ator.
O gestual substitutivo, enfim, intervém onde, por diversas razões, a palavra se toma impossível. Quando Elmira, em Tartufo, tenta comunicar-se com seu marido escondido debaixo de uma mesa, ela não pode fazê-lo verbalmente sem destruir seu estratagema. Fica, portanto limitada a usar uma linguagem não verbal que o diretor pode determinar livremente (o texto utiliza o truque da tosse insistente). Por exemplo, nos versos: "É uma tosse obstinada; eu posso assegurar Que remédio nenhum a faria passar." Fernand Ledoux, na sua encenação, determina que Elmira "no auge da irritação bata na mesa ao dizer determinadas palavras do texto". Da mesma forma, um pouco depois, quando ela finge ceder às cantadas de Tartufo e diz: "A culpa não é minha", este discurso é "dublado" com uma "mensagem" gestual destinada a Orgon: "Elmira vai até a mesa e a esmurra." É fácil perceber que o potencial cômico da cena está no duplo crescendo do discurso verbal dirigido a Tartufo e do discurso gestual destinado a Orgon... O gestual do ator contemporâneo caracteriza-se, de fato, por uma tensão fecunda. Pois o teatro atual parece querer assumir, e mesmo tornar dialéticas, duas tentações opostas: uma faz do gesto um modo de expressão do eu profundo do personagem e/ou do ator (Grotowski), uma linguagem tão sutil quanto a palavra. Outra remete a uma busca da teatralidade pura, a de um Craig que, no começo do século, pregava a invenção "de uma nova maneira de representar, consistindo em grande parte de gestos simbólicos" (De L'artdu théâtre), de um Meyerhold que, na Rússia dos anos 20, definia os princípios de sua biomecânica, de um Artaud e seus seguidores... Em sua experiência profissional rotineira, o ator francês não costuma ter oportunidade de assumir até as últimas conseqüências nenhuma destas opções. Entretanto elas constituem, na sua prática, como que "faróis", pólos de orientação, referências básicas de uma utopia inerente a toda pesquisa verdadeiramente artística. Enfim, seria inútil fazer um julgamento de valor sobre esses desenvolvimentos característicos de nosso teatro. O problema essencial não reside aí. Peter Brook lembra oportunamente:
"É igualmente possível ser interminável, difuso, literal e tagarela através da expressão totalmente corporal quanto da expressão verbal. Tudo o que se pode censurar num teatro verbal ou literário (e nas barreiras que ele ergue perante a realidade), pode-se censurar também no teatro chamado de expressão corporal" (American Theatre 69-70, "Entrevista com Peter Brook").
Um e outro alimentam uma cultura e uma prática. Nenhum deles institui uma ortodoxia.
No cinema, certas escolas, certas pesquisas de vanguarda dedicaram grande atenção à estilização do gesto. Podemos lembrar, a título de exemplo, o hieratismo do gestual em A paixão de Joana D'Arc (Cari Dreyer, 1927), ou, ao contrário, a exacerbação característica do filme expressionista. Grosso modo, podemos dizer que, em seu período mudo, o cinema se contentou em aumentar, sem realmente modificar, o trabalho gestual empregado no teatro. Todavia, os recursos da gravação repetida e da edição, e mesmo da trucagem, permitiram rapidamente multiplicar o virtuosismo de certos atores; daí as extraordinárias "coreografias" dos irmãos Marx, de Chaplin, ou Jacques Tati...
Hoje, porém, as pressões econômicas do cinema o obrigam a reduzir a gestualidade ao mimetismo. É preciso repetir, o "natural" não deixa aqui de dominar o trabalho do ator; o "teatral", ao contrário, aparece como o anticódigo, como aquilo que denuncia a inadaptação ou a incompetência.
Seria, contudo, um erro pensar que atores e diretores não refletem sobre a forma, a precisão e a expressividade do gesto. Eles simplesmente o fazem num contexto que não é o mesmo da cena. Devem levar em conta, além do personagem e da situação a ser interpretada, um conjunto de critérios formais: o mesmo gesto não será "trabalhado" da mesma forma se o diretor pretender fundi-lo em uma cena de grupo (travelling, plano geral etc.) ou realçá-lo com um dose.
Esta especificidade da imagem cinematográfica determina uma gestualidade mais variada e complexa que a da cena. Mais variada: as possibilidades do cinema (edição, trucagem etc.) oferecem ao corpo um espaço de representação ilimitado. Não apenas ele poderá fazer o que a materialidade do palco impede - galopar em um campo de batalha, por exemplo - como também o que as leis da realidade impossibilitam: voar, metamorfosear-se etc. Dito isso, tal gestualidade foge na maioria das vezes à responsabilidade do ator que parece praticá-la. Às vezes é o doublé que o substitui (gestual acrobático ou perigoso), outras é o técnico responsável pela edição ou pelos efeitos. Gestualidade mais complexa também: a imagem cinematográfica fragmenta o real e dirige o olhar. Ao fazê-lo, ela é capaz de aumentar a menor parte do corpo, multiplicando assim as suas potencialidades expressivas. O movimento dos cílios, o crispar da mão não podem ser usados da mesma forma no teatro e no cinema. No palco, necessariamente, eles se integram a uma gestualidade global. Como um instrumento de orquestra, eles têm sua função, por menor que seja no conjunto do concerto de que participam o rosto, o braço, as outras partes do corpo. O ator de teatro é obrigado a apostar ao mesmo tempo na atenção do espectador, que registrará talvez tais detalhes, e na sua desatenção, que legitima certa redundância gestual. No cinema, o olhar do espectador não está livre nem flutuante. Ele é regido pelas escolhas que o diretor operou na edição. Desde então, a gestualidade do ator é condicionada por estas escolhas e ela é como que explodida: enquanto o dose concentra minha atenção no movimento dos cílios da heroína, eu ignoro o que faz sua mão ou seu pé. No minuto seguinte, descubro sua mão, mas seu rosto desaparece da tela (por exemplo, a célebre "entrada" de Ingrid Bergman em Os amantes de Capricórnio: antes de nos revelar o rosto da heroína, Hitchcock se demora em seus pés nus e na barra do vestido, depois em suas mãos...)
Existe, então, um paradoxo do gesto cinematográfico: ele não necessita, salvo em casos excepcionais, do trabalho de estilização que a distância cênica exige; ele é sem dúvida por si só mais poderosamente expressivo que seu homólogo teatral. Os recursos da imagem permitem pôr em prática uma verdadeira "micro gestualidade" que, no palco, seria ineficaz. E, ao mesmo tempo, essa parte essencial dele mesmo escapa em grande parte ao ator. Em todas as etapas da elaboração do filme, seu gesto é "trabalhado", remodelado, transformado pelas opções do diretor e pelas intervenções da técnica.